sábado, 17 de outubro de 2009

Aquele aspecto inócuo, ainda que altivo e a roçar o farrusco, apesar de horas e horas a lamber-se e que pouco lustro lhe davam, sempre lhe tinha feito confusão. Sempre que podia, conferia, sem que os donos o soubessem, o seu boletim de identificação e lia dados como “Raça: Indefinida”, “Cor: Incerta” e “Tonalidades Adicionais: Nenhuma”.

Nesse depressivo momento do dia, elaborava, ou melhor, reformulava, o seu plano de investimentos, onde a primeira prioridade seria ele próprio gerir um cabeleireiro para cães, onde pudesse concretizar um dos seus sonhos de vida: fazer as tais madeixas louras que lhe conferissem um aspecto de superioridade, canina no mínimo, ao ponto de colocar os humanos em prevenção, perante uma eventual revolta dos, supostos, melhores amigos.


Nesses legítimos momentos de delírio via, na sua mente a preto e branco, o controlo absoluto do comando da televisão, até engendrava planificações semanais dos filmes e programas a ver, tal como delineava ele próprio o percurso a fazer nos curtos passeios que os seus donos, diariamente, se esforçavam por lhe dar.


Entre outras medidas que tomaria, sobressaía o seu lugar à mesa da família, ainda que sem talheres, mas com guardanapo, não fossem julgar que o novo rei da zona seria um porco imundo, sem maneiras.

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